DISCURSO DE SAUDAÇÃO DO PRESIDENTE DA ACADEMIA MARANHENSE DE MEDICINA AO DR. DOMINGOS DA SILVACOSTA, EMPOSSADO NA CADEIRA Nº 18, PATRONEADA PORHAMLETO BATISTA BARBOSA DE GODOIS, NA AMM.
- Dr. José Marcio Soares Leite
- 20 de fev.
- 6 min de leitura
Cirurgia: ramo da medicina que se propõe curar pelas mãos.
Cirurgia é ciência e arte. Como ciência, tem renovação dinâmica e
constante de preceitos e conceitos em função da sua própria
evolução. Como arte exige um aprendizado manual paciente e bem
conduzido. Será aprendida mais facilmente por aqueles que
nascem com vocação e aptidão específicas,como acontece com
todas as artes.
Em épocas passadas a cirurgia era considerada o último recurso
aplicável a doentes para os quais não havia mais remédios que lhe
restabelecessem a normalidade. Com a evolução dos
conhecimentos, a cirurgia passou a ter lugar no tratamento de
algumas doenças. Hoje exige dos cirurgiões o conhecimento de
anatomia e fisiologia, bioquímica, imunologia, bacteriologia,
metabolismo e, obviamente, de técnica cirúrgica.
Em 2500 a.C. foram relatadas operações em tumbas de faraós em
Saqquarah. Os papiros de Ebers e Edwin Smith, do século XVI
A.C., trouxeram informações e foram os primeiros textos sobre
cirurgia. O papiro cirúrgico de Edwin Smith é um dos mais
importantes documentos da medicina antiga do Vale do Nilo. Foi
escrito por volta de 1700 a.C., mas a maioria de suas informações é
baseada em textos escritos na época de Imhotep (2640 a.C.). O
papiro se refere, principalmente, às feridas e a como tratá-las.
Na Índia, no século IV a.C., houve um desenvolvimento grande da
cirurgia plástica,
principalmente das rinoplastias. Os prisioneiros de guerra e os
adúlteros eram punidos com a amputação do nariz, cuja
reconstrução era feita à custa de retalhos da testa. Susruta foi o
grandecirurgião indiano da época.
Entre 460 e 377 a.C. foi formulado o Juramento de Hipócrates. Sob
essa influência, em 150 a.C., foi proibido que médicos e cirurgiões
respeitáveis, educados, usassem bisturis e cortassem pacientes
para retirada de cálculos. Tais tarefas, consideradas selvagens,
ficavam para artesãos menos educados (mais tarde a Igreja se
posicionou fortemente contra as dissecções e operações e somente
no século XIII é que os médicos e os cirurgiões começaram a ser
igualmente respeitados).
A cirurgia praticamente não existia na China Antiga por causa da
orientação totalmente
diferente da medicina chinesa, somada à completa ignorância da
anatomia. Hua T’o, o mais famoso médico chinês da época, no ano
de 190 (século II) já fazia anestesia para operações no abdome
usando Cannabis sativa fervida com vinho. Parece ter removido um
baço com esse método. O seu avanço cirúrgico parou nessa
ocasião porque Confúcio proibiu as mutilações do corpo humano.
O cirurgião bizantino Paulo de Egina (PaulusAegineta), escreveu
um breviário de cirurgia onde compilou o que já havia sido dito
pelos gregos. Discutiu, com sua experiência pessoal: traqueotomia,
tonsilectomias, flebotomias e redução do tamanho das mamas.
Abw’lQasimalZahrawi, Albucasis (930-1013), cirurgião islâmico
nascido em Córdoba, escreveu o primeiro livro ilustrado de cirurgia,
introduzindo o uso do ferro em brasa para cauterização de
feridas.Teve grande influência sobre os cirurgiões da idade média,
que usaram abusivamente essa técnica (cauterização de feridas).
Os escritos e manuscritos da época mostram claramente a mistura
vigente de misticismo e crueldade. Na Idade Média, o homem era
totalmente religioso e via em tudo o que lhe acontecia um gesto
direto de Deus. A igreja, cuja autoridade era incontestada, impediu
todo o espírito de pesquisa como, por exemplo, a interdição das
dissecções que, aliás, foi mantida até 1480. A cirurgia foi
considerada uma prática bárbara, também condenada pela igreja.
No século XIII apareceram as primeiras escolas de medicina. A
primeira foi a de Salerno que fornecia ensino verdadeiro e diploma.
RogeriusFrugardi (Roger de Salerno) teve sua obra “Cirurgia”
editada por Roland de Parma.
A Escola de Salerno professava o dogma da supuração louvável:
qualquer ferida deveria produzir supuração. A Escola de Bolonha
(1158), segunda a aparecer, defendia a doutrina inversa: É oseco,
mais que o úmido, que mais se aproxima do estado são.
Em 1222 é criada a Universidade de Pádua, que contou com
destacados professores de
anatomia e cirurgia, como Fabricius d'Acquapendente,
GiambattistaMorgagni, Andreas Vesalius e Gabriel Faloppio, dentre
outros.
No século XIII, dois cirurgiões italianos tiveram atuação marcante:
GuglielmoSalicetti (1201- 1277) e seu aluno Guido Lanfranchi que,
em seu livro Chirurgia Magna (1296), já fala de sutura de nervos
cortados e recomenda a sutura intestinal, tendo se associado ao
primeiro colégio de cirurgia, o Colégio de São Cosme.
No fim do século XIII e início do século XIV, as escolas francesas
aumentam seu prestígio e dois cirurgiões se distinguem: Henri de
Mondeville e Guy de Chauliac.
Mondeville (1260-1320) que preconizaram que as feridas limpas
cicatrizam melhor. Nas feridas não se deveriam usar ungüentos e
bálsamos. Os corpos estranhos deveriam ser removidos e o
sangramento parado. Recomendava curativos com compressas
embebidas em vinho quente. Guy de Chauliac (1300-1370),
professor na Universidade de Montpellier, publicou o livro Chirurgia
Magna (1363), em que dizia: “Todos os artesãos devem conhecer o
assunto em que trabalham; de outro modo, eles errariam nas suas
obras. Segue-se que os cirurgiões devem conhecer a
anatomia.”
Em 1376, Chauliac foi autorizado a dissecar um cadáver por ano.
Foi um dos primeiros a receber esta autorização, precedido por
Mondino de Luzzi de Bolonha. Recomendava a castração nas
operações de hérnia inguinal, já que usava a cauterização e poucos
testículos permaneciam viáveis.
Retirava-os preventivamente.
A Itália lidera a pesquisa anatômica durante pelo menos dois
séculos, inicialmente com a Escola de Salerno (criada por Frederico
II da Sicília). Era obrigatório o estudo de três anos de lógica, cinco
anos de medicina e cirurgia e um ano de prática sob a orientação
de um médico instruído.
O médico assim formado devia pertencer à igreja e falar latim. Seu
ensino tinha sido dogmático, ele se preocupava mais com a
discussão teórica e citações de textos antigos. Qualquer ação
manual era considerada desonrosa e significava perda da
autoridade. Como homem da igreja não poderia derramar sangue.
Recusava-se a qualquer ato cirúrgico, deixando-o para os inferiores:
os barbeiros cirurgiões, que eram simples operários, iletrados e
leigos.
O médico usava a toga longa e o barbeiro cirurgião a toga curta. Os
médicos exigiam a submissão dos então chamados cirurgiões-
barbeiros.
Apenas no século XVI os cirurgiões atingiram sua autonomia com
AmbroiseParé, que foi o primeiro médico que dedicou todo o seu
tempo à cirurgia. Ambroise Paré (1510-1590), considerado o
fundador da ortopedia, modificou o tratamento das feridas que, até
então, eram cauterizadas e queimadas com óleo. Em 1536 foi
reconhecido como apto a curar cravos, bossas, antrazes e
carbúnculos, chegando à posição de cirurgião de quatro reis da
França. Mostrou que tratar as feridas com gema de ovo, mel e
terebintina dava melhores resultados que a cauterização. Quando o
rei Carlos IX ficou doente, disse a Paré:
“Espero que vás tratar melhor o rei do que os pobres do hospital.”
AmbroiseParé respondeu:
“Não, isto é impossível.”
“E por que?” Perguntou-lhe o rei.
Respondeu:
“Porque eu os trato como a reis.”
Em 1540, os barbeiros e os cirurgiões de Londres se unem na
Companhia dos Barbeiros Cirurgiões, que se transformaria no Royal
CollegeofSurgeonsem 1800.
Do século XV em diante os europeus falam de uma nova era e
adquirem uma visão mais avançada de vários aspectos da vida. Há
o nascimento de uma nova cirurgia em virtude do desenvolvimento
da anatomia e da fisiologia. Devem ser citados: Leonardo da Vinci
(1452-1519),__Andreas Vesalius (1514 1564),__Gabriel Falloppio
(1523-1562), BartolomeoEustachio (1524-1574),__Fabricius
d’Acquapendente (1537-1615), William Harvey (1578-1657),
SantoriusSantorius (1561-1636).
Luís XIV, em 1686, sofria de fístulas anais e se tratava sem
resultados com ungüentos,
laxativos, banhos, etc. Foi operado com êxito por Charles François
Félix. Em 1715, por influência de Félix, Luís XV (neto de Luís XIV)
decreta que o ensino da cirurgia seja incluído nas escolas de
medicina da França. Em 1731 é fundada a Academia Real de
Cirurgia.
A medicina é uma classe cuja formação tem por escopo salvar vidas,
consoante está bem expresso neste axioma da medicina hipocrática...
“Curar algumas vezes, aliviar muitas vezes, consolar sempre”.
No livro Medicina, Poder e Produção Intelectual, a professora Patrícia
Maria Portela Nunes, neta do ilustre médico maranhense, matemático,
humanista e intelectual Bacelar Portela, também aborda o tema,
descrevendo em certo trecho: “Não obstante, não se pode tomar a
competência médica como uma competência técnica, unicamente. A
medicina também é uma arte: a arte da cura”.
O Acad. Ora empossado Domingos da Silva Costa, o decano da
cirurgia do Maranhão, notabilizou-se por sua competência técnica e
habilidade cirúrgica, a par de sua dedicação ao ensino dos
estudantes de medicina, fato que o conduziu à respeitabilidade dos
seus pares, das classe médica, dos seus alunos e da sociedade
maranhense.
Seja bem-vindo a Academia Maranhense de Medicina, Acad.
Domingos da Silva Costa, razão pela qual a Academia Maranhense
de Medicina, sente-se muito orgulhosa em acolhê-lo entre nós, pois
a enriquece muito.
Seja bem-vindo Acad. Domingos da Silva Costa à nossa Confraria!
Muito Obrigado !
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